sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Cartas de D. Maura


Minha vizinha de cima era uma fofa. Senhorinha de cabelos brancos, foi professora em uma época onde professores tinham o mesmo prestígio que outras profissões do mais alto escalão. Não me lembro como começamos a conversar, mas acho que foi na época em que estavam trocando os canos do prédio e virava e mexia tínhamos problemas. Todas as vezes em que eu ia lá no 183 eu já sabia: a conversa duraria horas. Eu tinha que tomar um café, comer algo... 

Quando soube da estória de vida dela chorei. Na frente dela. Por ver na minha frente uma vencedora, que conseguiu sobreviver à chamada maior de todas as dores. E ela só me dizia: "mas eu estou prontinha para ir! Não tenho mais ninguém aqui... Está difícil esperar a minha hora sabe?" E ela sorria passando as mãos no cabelo.

Um dia ela me interfonou no comecinho da noite e pediu para eu subir lá. Ela queria me dar um presente (soube depois que aquele era dia do aniversário dela, e quem ganhou o presente fui eu). Ela me deu a única cópia que tinha do livro feito com as cartas que Chico Xavier psicografara do filho dela que havia desencarnado. Ali soube da estória: ela perdeu o único filho em um acidente de carro no início dos anos 80. Naquela época não tinha celular nem nada, e ele voltava de Santos para São Paulo. Ele foi enterrado como indigente, sendo encontrado dias depois. O marido, ao saber, entrou em uma espiral depressiva sem volta. E ela segurando as pontas como dava.

Ela conheceu Chico e recebeu as cartas. Juntou-as e fez este livro, com toda a renda revertida para o centro onde Chico trabalhava. Há poucas cópias por ai do livro, e ela me deu a única que ela tinha. Com dedicatória e tudo, só dizendo que eu saberia a importância daquele livro e que cuidaria dele com o carinho e cuidado que ele merecia. 

Os últimos anos foram difíceis. Muitas dores e doenças se acumulando, e ela esperando a hora dela. Sem reclamar, confiante que vivera a vida. Só isto. Eu brincava com ela que ficava preocupada se não ouvia barulho. Ela ficava preocupada por fazer barulho... Fofa...

Terça-feira, dia 29 de novembro de 2011, ela descansou. Estava pronta. Seu filho deve ter vindo buscá-la, e ela pode finalmente ser feliz. Por que ela me dizia: "não existe felicidade pela metade, e me falta um pedaço..."

Vai com Deus, dona Maura. Apesar de estar feliz por saber que a senhora finalmente está inteira agora, e feliz onde quer que seja, fico triste por saber que não mais ouvirei a senhora... E saiba que guardarei seu livro com todo o amor que ele tem contido dentro dele. E obrigada pela honra de me escolher para tal tarefa...

8 comentários:

  1. Que bela história, um texto emocionante.

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  2. Deixou aqui meu abraço - pra vc e pra dona Maura.
    bj.

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  3. ela foi ao encontro do filhinho amado, estava com mta saudade.. certeza que estah com um sorriso estampado no rosto ;)...
    que nsa. sra. de nazare a guie e proteja nesta nova etapa.
    btw - ela era amiga do santinho principiiiii...

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  4. Daniel, isto é só um pedacinho da estória, mas tudo verídico! obrigada pelo elogio!

    beijos

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  5. É verdade, ela conheceu o principiiii... ele fedidinho e tudo, ela segurou ele no colo, beijou, e disse que se ele chorasse ela me denunciava por que eles tem que ser cuidados...

    sentirei falta dela...

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  6. Adoraria ler mais sobre ela...

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  7. Anônimo, ela era fofa! O livro (caso você se interesse) se chama FILHOS VOLTANDO, e tem cartas do filho da D. Maura e de um outro com o mesmo nome!

    beijos

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