sábado, 29 de setembro de 2012

Cegueira Coletiva


Ouvindo Cena... aqui.

Revi Ensaio sobre a Cegueira, o filme. E, como sempre acontece, observei coisas novas que, ao menos, servem para uma reflexão em momentos de trânsito parado. Nunca li o livro, perdoem-me os eruditos. E já tentei ler Saramago, mas nunca consegui ir adiante no projeto.

Voltando ao filme, tem uma ideia por trás dele que sempre me incomodou. (Atenção, SPOILER daqui para baixo. Se não quiser saber do que se trata não leia e obrigada pela visita). A estoria básica é: um dia, quase todos os habitantes de uma metrópole acordam sem enxergar e são confinados. Entre os confinados, uma mulher que enxerga entra no bolo para não se separar do marido. Várias análises podem ser feitas do filme: do fato de que em "terra de cego quem tem um olho é rei" passando pela constatação de que mudam-se os graus de importância quando você não enxerga o que o outro faz, e está também protegido por este manto da invisibilidade. Até ai tudo bem.


O que me incomoda: a comida é distribuída pelos que controlam a "cadeia". Um grupo de "homens-cegos" decide que receberá a comida e controlará sua distribuição interna. Decidem cobrar uma espécie de pedágio: a comida só será entregue aos outros grupos se as mulheres destes transarem com eles. Não há mulheres suficientes, ai você já viu né? A bestialidade humana se mostra ali, entre sussurros, gemidos, gritos e uivos. Viraram bichos, onde o instinto prevalecia acima de qualquer tentativa de se manter o convívio social. Quem tinha o poder - comida - controlava tudo e todos. Ok, tudo bem (?) até aqui. Meu incômodo: quando o grupo decidiu ser líder e comandar e controlar tudo, os outros emudeceram. Aceitaram o poder do "mais forte". Os homens eram maioria em todos os grupos, mas quando um decidiu tomar a dianteira, os outros se calaram, ainda que a contragosto. E é essa passividade que me dá coceira. Porque se repararmos, aceitamos muitas coisas de forma inerte, sem lutar ou ao menos chiar. Quem toma as rédeas em situações de caos são líderes supremos inquestionáveis? Não concordo com isto, acho que daí vem meu inconformismo. E revendo o filme, mais questionamentos me surgiram: a única pessoa que enxergava foi escrava sexual do grupo dominante. Ela tinha um poder inquestionável e ainda assim se submeteu. Por que? Para não se sobressair na multidão? Por medo? Por que queria? O que leva alguém a decidir, do nada, que "aqui quem manda sou eu?" Um excesso de coragem dele ou excesso de covardia dos outros? Por que, mesmo em grupo, nos acovardamos tanto? Por que aceitamos o que nos é imposto goela abaixo sem ao menos demonstrar nosso descontamento? Por que alguns só reclamam - até tem seu valor neste ponto, vá lá - e não fazem nada?


Me lembro sempre da estória de que um grupo tentou soltar o gado que iria no dia seguinte ser abatido. O confinamento era horroroso, eles estavam apertados, mal se moviam, e no dia seguinte, bom, virariam filé mignon e picanha. Durante a noite, o grupo vai até a fazenda e abre as porteiras do confinamento. Nenhum boi se mexeu, permaneceram desconfortáveis, inertes, cada um no seu quadrado. A porteira ficou aberta; no dia seguinte todos os bois foram mortos. Não sei o porquê, mas sempre que penso em Ensaio sobre a Cegueira me vem esta estorinha à mente...

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